O mundo é uma sociedade de Estados, na qual a interação jurídica e socioeconômica dos fatores políticos ainda se faz imperfeitamente, apesar de tentativas de organizar globalmente essas interações entre os Estados por meio de acordos e contratos internacionais têm estado mais presentes nas últimas décadas.
O fim da Segunda Guerra Mundial marca uma ruptura fundamental nas relações entre as nações. Diante do declínio dos Estados europeus, assiste-se à ascensão dos Estados Unidos e da União Soviética, cada um visando construir blocos homogêneos em torno de si. Dos anos 1960 aos anos 1980, o mundo bipolar dá lugar a um mundo multipolar, em que, aos pontos tradicionais de conflito, acrescentam-se novos terrenos de disputas e dominada pela hiperpotência norte-americana, a comunidade internacional buscava uma nova ordem mundial. Essa nova ordem deu espaço ao neoliberalismo, construtivismo e positivismo.
O interesse pelo estudo das Relações Internacionais amplia-se e alcança a Europa para em seguida difundir-se mundialmente. O papel central e quase exclusivo das políticas de Estado vai cedendo espaço para outras categorias de relações sociais, como as implicações políticas e econômicas da estratégia financeira de uma empresa multinacional em um país emergente ou de uma crise internacional que afeta além do Estado.
Estados soberanos, em regra, detêm sobre seu suporte físico – territorial e humano – a exclusividade e a plenitude das competências. O Estado exercia sem qualquer concorrência a sua jurisdição territorial, e fazia uso de todas as competências possíveis na órbita pública. Eis que, nos anos 1990, o debate sobre Globalização da economia mundial incluiu várias previsões relativas ao fim do Estado Nacional e o surgimento de um “mundo sem fronteiras”. O Estado anunciava a perda da capacidade de garantir a integração política e a participação efetiva das partes na comunidade mundial. O Estado ainda sobrevive, porém, é um Estado Nacional modificado, sobretudo no que se refere às políticas fiscais e monetárias internas e as políticas econômicas externas. Pode ter trazido uma maior cooperação entre Estados-afins, mas reduziu a capacidade de estabelecer limites, transferiu o poder decisório do governo para grupos de interesses privados.
A hegemonia do pensamento liberal, que predominou na década de 90, empurrou o Estado Nacional para uma severa revisão de seu papel dentro da sociedade e na relação com as empresas e a esfera privada. Chegou-se a pensar no fim dos Estados como entidade organizativa e normativa da vida e da sociedade. As empresas que fazem negócios internacionais dentro desses Estados são organizadas como multinacionais ou transnacionais. No fim dessa década, começa a existir uma única unidade econômica para essas empresas transnacionais: o mundo.
Preservação e resguardo dos Estados
Surge, então, a necessidade de elaboração de uma regulação internacional capaz resguardar os Estados hospedeiros contra eventuais prejuízos que derivem das atividades das transnacionais, além de proteger os interesses das empresas. E após anos de discussões, a Rodada Uruguai do GATT encerrou-se em 1994 com a proposta de uma instituição internacional que se ocuparia do comércio mundial e suas relações, a OMC. A Organização Mundial do Comércio (OMC) adotou o sistema de decisão por consenso, sob fórum de negociações de comércio multilateral.
Uma das respostas para os problemas de regulação internacional foi o conceito de governança global, em parte decorrente dos debates que ganharam notoriedade no cenário internacional no decorrer da década de 1990. Acontecimentos como a instauração da Comissão sobre Governança Global das Nações Unidas, em 1994, e a posterior publicação de seu relatório Our Global Neighborhood, em 1995, ou a criação do periódico especializado Global Governance (1995) são apenas alguns dos exemplos da importância crescente do tema durante o período.
As instituições internacionais têm se concentrado por meio de acordos internacionais e regimes internacionais que antes já funcionavam como prática de bons costumes, desde final da década de 90, tem tomado mais corpo e atitude, como por exemplo, a ICC (International Chamber of Commerce) com a governança dos Incoterms e a WCO (World Customs Organization) ou OMA (Organização Mundial das Aduanas) com o regulamento aduaneiro processual.
A Organização Mundial das Aduanas
Nesse contexto, gostaria de convidar você a refletir sobre uma forma de regime internacional institucionalizada: OMA ou WTO – Organização Mundial das Aduanas ou World Customs Organization; órgão esse que tem a missão de ampliar a efetividade e a eficiência das Aduanas pelo mundo. Ela se estabeleceu em 1952 como um Conselho de Cooperação entre as Aduanas, Customs Co-operation Council (CCC), e suas ações têm levado muitos países a modernizarem seus modelos de comércio exterior. Mas foi somente após os anos 2000 que tomou um rumo mais profundo no funcionamento do comércio internacional. Notou como as décadas se fundem no panorama mundial?
A OMA e a comunidade aduaneira internacional promovem suas prioridades estratégicas, papéis e contribuições por meio da cooperação, comunicação e parceria com governos, outras organizações internacionais e regionais, doadores e setor privado. Hoje, a OMA tem 183 países associados, cujas trocas internacionais representam 98% do comercio internacional. Sua função é ajudar aos seus associados a melhorarem o seu desempenho. Para tal, ela recomenda métodos e padrões que auxiliem no desenvolvimento das aduanas, de forma a tornar seus processos aduaneiros mais modernos e ágeis.
Para discutir suas ações, a OMA realiza fóruns e convenções onde reúne seus membros. Os encontros são também oportunidades para troca de experiências, aplicação de treinamentos e assistência para os membros. Assim, ela ajuda no desenvolvimento das Aduanas, e na luta contra as ilegalidades, fraudes e erros que ocorrem nos processos aduaneiros, levando a uma contribuição com a economia e o bem estar social dos países envolvidos. Para isso ela cria padrões e normas a serem seguidos, como o caso do SAFE, um quadro de princípios de segurança e facilitação de comércio.
O fato é que o Brasil é membro da OMA desde a década de 80, mas, somente a partir do final de 2015, começa a realizar modificações no sistema aduaneiro afim de assegurar medidas de desburocratização, agilidade no fluxo do comércio internacional e controle para evitar contrabando de mercadorias.
Aplicações no Brasil
A estrutura aduaneira brasileira é, de fato, peculiar, pois engloba um decreto na forma de Lei Regulamento Aduaneiro para ter legitimidade da operação de comércio exterior. Além disso, há um excessivo controle por meio de Portarias com os órgãos intervenientes do comércio exterior, responsáveis por fiscalizar a logística internacional, recolher tributos e dificultar um processo de compra internacional por meio de controles aduaneiros e licenças sem fim. Mas, fato, Operador Econômico Autorizado está aí para fazer valer o padrão internacional de governança e modificar a forma como esse excesso de burocracia se faz valer.
O Brasil assinou o acordo na OMA em 2015, no qual prometia desburocratizar e agilizar o fluxo de comércio internacional por meio da importação e exportação de mercadorias e serviços até 2020. A contrapartida é a perda de representatividade no comércio mundial. A antiga Linha Azul foi transitada em 2016 e deu corpo e vontade para o OEA.
O Operador Econômico Autorizado (OEA) é parte desse programa idealizado pela Organização Mundial das Aduanas, com o objetivo de padronização, agilidade e simplificação das normas e procedimentos aduaneiros, o chamado SAFE Framework Standards, reconhecido pela Receita Federal do Brasil como “Estrutura Normativa da OMA”.
Entre brigas internas de órgãos intervenientes brasileiros, dificuldade na adaptação do sistema integrado de comércio exterior brasileiro SISCOMEX e disputas da legitimidade da ação internacional sobre o Regulamento Aduaneiro, fato que o Brasil está avançando num novo papel globalizado, que inspira não ter retrocesso. A burocracia vai precisar diminuir, para garantir a continuidade no comércio global. Entre atrasos, o Brasil está acordando.
Em suma, muito mais que o Estado na sua forma de poder, há uma força inédita institucionalizada para a governança e Compliance, que tem tomado um sentido único de força, autoridade, legitimidade e competência. Talvez uma forma inédita de governabilidade e regulação globalizada esteja por surgir sem volta.
Exclusividade:
CargoNews | Uma ótica sobre Estado, Governança Mundial e OEA
Sandra Bassi
Sandra Bassi é Training Leader na eCOMEX NSI e Mestre em Economia de Mercados Internacionais formada pelo Mackenzie. Profissional de Comércio Exterior há 25 anos. Especialista DE, Drawback e OEA.